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Roda de conversa do Cesteh debateu questões ligadas à saúde e ambiente

No ano em que celebra os 30 anos de sua fundação, o Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP), vem realizando uma série de encontros para debater temas pertinentes as suas áreas de atuação. A terceira Roda de Conversa abordou as Interseções do Ambiente na Saúde e no Trabalho. Coordenada pelo pesquisador da ENSP Aldo Pacheco, a roda contou com as falas de Ary Miranda, Liliane Reis e Fátima Moreira, também pesquisadores da Escola, além da participação de diversas das pessoas presentes ao debate.

Primeiro a falar, Ary Miranda fez uma breve retrospectiva da criação do Cesteh, dentro de um contexto histórico e político. “É muito importante lembrarmos que quando o Cesteh nasceu, em 1985, estávamos vivendo um momento em que surgiam praticamente todos os movimentos sociais do campo que temos hoje. Tirando as Ligas Camponesas, todos nascem naquele mesmo contexto da redemocratização: o MST, o Movimento das Quebradeiras de Coco Babaçu, etc. Só que quando surge o Cesteh, as primeiras ações se dão na sua vertente do trabalho e, mais especificamente, voltadas para os funcionários da própria Fiocruz. Isso, porque agenda ambiental só ganharia visibilidade com a Rio 92”.

Ao falar sobre as primeiras ações do Cesteh para fora da Fiocruz, Ary citou o caso de uma fábrica de cloro-soda em que os trabalhadores apresentavam altíssimo grau de contaminação de mercúrio. “Na ocasião, fizemos um trabalho junto aos sindicatos. O dono da fábrica era um italiano que dizia que se esticássemos muito a corda, fecharia e venderia a fábrica. E não é isso que queremos. O que se quer é que se tenha emprego para o trabalhador, mas sem que esse emprego represente um risco para a saúde dele”, disse Ary.

A mesma fábrica de cloro-soda foi citada por Maria de Fátima Ramos Moreira, em sua fala na roda de conversa. “Em me lembro de um caso específico em que achávamos que o trabalhador estava acrescentando mercúrio na amostra de urina que nos trazia, tamanho grau de contaminação que os exames apontavam. Mas depois de realizarmos outros exames, verificamos que a exposição era muito grande nessa fábrica. Fazer esse tipo de trabalho é muito difícil, porque não nos permitem ter acesso às fábricas. E é um trabalho mais do que necessário, porque a população, muitas vezes, não tem a menor ideia do risco que corre”.

A dificuldade de se atuar para promover a saúde dos trabalhadores, segundo Ary Miranda, se dá também por causa da desarticulação dos sindicatos. “Para vocês terem uma ideia, quando Lula foi dirigente sindical no ABC, durante as grandes greves do final da década de 1970, a base sindical era formada por 240 mil trabalhadores. Em 2012, esse número era de 80 mil. Por quê? Porque o terceirizado, o autônomo e o sazonal não se sindicalizam”.

Liliane Reis, coordenadora do Programa de Saúde Pública e Ambiente da ENSP, abordou o tema do debate pela perspectiva do ensino. Para ela, a dificuldade de se ter acesso às empresas tem reflexos, também, nas publicações acadêmicas. “Recentemente, conversando com um dos editores dos Cadernos de Saúde Pública, nos questionamos sobre o motivo pelo qual, no Brasil, se publicam artigos com o perfil de trabalhadores, mas raramente se tem uma avaliação das empresas, contextualizando a repercussão de suas ações na vida população. Em muitos casos, já identificamos os diversos problemas relativos ao ambiente e à saúde do trabalhador. Já sabemos os efeitos que a exposição à determinada substância pode causar, mas o que não conseguimos é aplicar as soluções, por conta dessa barreira de acesso às empresas”.

Ainda falando sobre a produção acadêmica, Liliane lembrou que a atual diretoria da Capes, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, é da área ambiental. “É difícil dizer, por ora, o que isso pode nos trazer de bom, mas como bióloga eu fico feliz e acredito que trará um novo olhar sobre a Saúde Coletiva.  Estive numa reunião, recentemente, com a Capes e ficou clara a intenção de se investir em grandes temas, como saneamento e recursos da água, sustentabilidade na região amazônica, questões urbanas e energia”.

Aberto o debate, entretanto, a Capes voltou a ser assunto, mas dessa vez como alvo de críticas. Para o pesquisador Josino Moreira, não existe interesse governamental em pesquisar a saúde do trabalhador. “Se uma instituição não tem verba própria para financiar seus projetos, o financiamento externo vai ser dirigido para algo que certamente não será a saúde do trabalhador. Então, precisamos de mecanismos para capitalizar a instituição. E não devemos ponderar essas avaliações externas, essas classificações. Isso tudo não tem sentido. Temos que mostrar que não funciona. A Fundação Oswaldo Cruz tem força suficiente para mostrar que isso está errado. Então, temos que pensar como podemos internalizar recursos para que o Cesteh possa financiar seus próprios programas”.

Completando o que havia sido dito por Josino, Ary Miranda lembrou de um trabalho do Cesteh que tem servido para embasar o STF quanto a decisão de banir ou não a produção de amianto. “Para se ter a noção do absurdo, um trabalho que serve de fonte para o Supremo Tribunal Federal não vale nada para a Capes”.

A pesquisadora Cátia Reis ressaltou que o grande trabalho do Cesteh é a interseção entre as três áreas de atuação do centro, ou seja, trabalho, saúde e ambiente. “É uma interseção que se dá na prática. A saúde é fortemente determinada pela organização dos trabalhadores. Com relação ao tema da produtividade acadêmica, lembro que, certa vez, ouvi de um sindicalista: nós não queremos pesquisa para engordar lattes de ninguém. A relação com os sindicatos, que é tão importante para as ações relativas à saúde do trabalhador, se dá em um tempo diferente.  Então, acredito que nós também temos que produzir em um tempo diferente do capital”.

Rodas de Conversa

A primeira Roda de Conversa para celebrar os 30 anos do Cesteh aconteceu no dia 27 de maio e abordou questões da atualidade, como terceirização, maioridade penal, violência e a falta de recursos para a área da saúde. A segunda roda foi no dia 24 de junho. Na ocasião, o debate foi em torno da integração dos serviços com o ensino, além da trajetória e os desafios da pesquisa no Cesteh. No dia 18 de novembro, acontece o quarto evento da série, com o tema do direito à saúde.