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Mesa resgata importância da resistência do movimento dos trabalhadores

Os impactos da Reforma Trabalhista na proteção social, saúde e organização dos trabalhadores vêm pautando uma série de discussões na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz). Na semana comemorativa do aniversário de 63 anos, não foi diferente. A instituição reuniu diversos especialistas para aprofundar o tema e debater a sequência de desmontes nas áreas de saúde, educação e direitos. "A iniciativa de realizar essa mesa vai ao encontro das ações da ENSP de se abrir, ou seja, construir novos espaços institucionais, sair dos muros da saúde pública. Não há como falar de saúde sem vinculá-la à realidade dos trabalhadores e da população mais pobre", argumentou o pesquisador José Augusto Pina, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador.

Andréia Galvão, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, lembra que o momento é de desmonte de direitos. Essa situação, conforme explicou, obriga os pesquisadores a pensar estratégias de disseminação de informações para que a sociedade reflita sobre as possibilidades de resistência. A palestrante traçou uma série de contradições da Reforma Trabalhista aprovada em julho, como o contrato intermitente, a ampliação do tempo de contrato temporário, a negociação individual do banco de horas, a prevalência do negociado sobre o legislado e a perda de força dos sindicatos.

“A reforma fragiliza o trabalhador em todos os aspectos. Embora não seja uma reforma sindical, ela toca em aspectos importantes da organização sindical. Os fundamentos político-ideológicos da reforma dificultam a resistência. Falam muito em modernização da lei, mudanças das condições de trabalho, mas sabemos que esse argumento é falacioso. O desejo é privilegiar o contrato em detrimento da lei. O objetivo é a prevalência de mercado”, justificou.

Augusto Pina lembrou que a Reforma Ttrabalhista não pode ser dissociada da Reforma da Previdência, e se aposentar, a partir dessas medidas, será “praticamente impossível” para boa parte dos trabalhadores do país. A proposta da Previdência, ainda no Congresso, fixa a idade mínima de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres - e acaba com a possibilidade de aposentadoria exclusivamente por tempo de serviço no INSS. Além disso, eleva o tempo mínimo de contribuição de 15 anos para 25 anos. “Com toda essa rotatividade e desemprego, quem alcançará 25 anos de contribuição? Não é possível suportar a jornada e a intensidade do trabalho numa indústria e em diversos outros serviços no país”, admitiu. 

O pesquisador recordou que em menos de oito meses o Congresso aprovou a PEC do teto de gastos (dezembro 2016) – que altera os critérios para cálculo dos gastos com saúde e educação –, a liberou á terceirização em todas as atividades (março 2017) e validou a Reforma Trabalhista (julho 2017). “Em quais as circunstâncias isso foi possível? Qual é o cenário no qual, em menos de oito meses, tantas medidas são aprovadas?”, indagou. “Isso não era imaginado por ninguém; nem pelos empresários”, completou.

A resistência dos trabalhadores foi pequena diante da “avassaladora redução de cortes de direitos” e da velocidade das ações, na opinião de Augusto. Entretanto, responder o porquê disso não é simples e requer um olhar extremamente amplo sobre as circunstâncias. 

“A reação dos trabalhadores foi pequena diante do corte avassalador de direitos em tão pouco tempo; mas responder ao motivo disso não é simples e pressupõe muitos elementos. É evidente que boa parte dos trabalhadores já tinha seus direitos violados no trabalho, e a terceirização já era uma realidade (nos governos PT passou de 4 milhões, em 2003, para 13 milhões de trabalhadores em 2013). Mas é evidente que as alianças políticas ditam e subordinam o movimento independente dos trabalhadores numa conjuntura como a atual.”

A reação da classe trabalhadora que mais chamou a atenção do pesquisador foi a greve geral de 28 de abril deste ano. Ainda assim, classificou o movimento como um “ensaio de greve geral”, apesar de haver um sentido de classe naquela ocasião. “Ali, ficou claro que existia um potencial dos trabalhadores reagirem. Não foi a maior greve geral como os parlamentares da esquerda e sindicalistas classificaram, mas foi o primeiro momento no qual os trabalhadores se articularam além das suas empresas, dos seus setores e da sua categoria econômica buscando um sentido de classe. E enfrentando não só seu empregador, mas todos os patrões do Estado. Existiu ali um sentido de classe; e isso é o que parte do sindicalismo não quer.”

Para Augusto, não há como pensar na velocidade da aprovação do pacote de retrocessos sem o golpe civil e sem a capitulação da esquerda eleitoral. “De fato, foi o que ocorreu. Pensar mais amplamente é pensar na capitulação que foi feita. Existe algo mais profundo ao longo da tradição da esquerda, de modo geral, que perpassa a organização sindical e política dos trabalhadores. É preciso pensar fundamente para além das lutas imediatas que nos aliamos. Existe algo a mais que precisamos pensar e refletir”, concluiu.

Mara Takahashi, coordenadora do GT Trabalho e Saúde da Abert e pesquisadora do Cerest Piracicaba, e José Marçal Filho, da Fundacentro Paraná, destacaram o trabalho como o evento sociopolítico mais significativo para as sociedades humanas. Acesse o áudio de todas as palestras no link abaixo. A mesa foi coordenada pelo pesquisador da ENSP Eduardo Stotz.