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Fiori: 'Sistema mundial não está em crise'

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"Descarto a ideia de que o sistema mundial está vivendo uma crise. Há uma crise econômica e financeira na Europa e, talvez, uma crise social, por derivação das políticas adotadas para controlar o problema financeiro naquele continente. Também existiu e ainda existe uma crise econômica e financeira nos EUA, mas isso não é mundial. É um vício tratar como mundial algo que acontece em função dos Estados Unidos e da Europa". Foi com essa afirmativa que o cientista político e professor da UFRJ José Luis Fiori abordou as mudanças e tendências do sistema mundial durante a abertura do Mestrado Profissional em Saúde Global e Diplomacia da Saúde (MPSG&DS), na quarta-feira (11/4). Para ele, o termo crise pode ser explicado por um período de alta tensão dos países e grande pobreza mundial no mundo da política.

Professor há quarenta anos nas áreas de Medicina Social e Saúde Coletiva, atualmente dedicado aos estudos de ordem internacional, Fiori tratou de afirmar que entende como sistema mundial uma forma de organização política e econômica internacional iniciada por volta do século XV e que segue até os dias atuais. Para falar sobre as sucessivas mudanças ocorridas nesse sistema no século XX, elegeu os Estados Unidos como foco. “Escolho os EUA por razões óbvias, isto é, por serem a potência central do século XX. E entendo como potência aquela que tem a maior capacidade de intervir na gestão da guerra, da paz, da economia e das finanças em escala global. É o país com a maior capacidade de projetar seu poder e condicionar decisões”, admitiu.

Para o cientista político, o termo 'crise' pode ser confundido com situações de angústia, ansiedade e períodos de alta tensão dos países. Nesse sentido, citou o exemplo da África. “Ninguém está satisfeito com a situação que está vivendo, e isso pode ser no Uruguai, no Senegal e na China, seja por causa de suas taxas de crescimento, ou desenvolvimento; mas não é essa a questão. O que é a crise na África hoje? Você pode considerar que ela carrega uma herança de problemas intensos, complexos. Porém, se for julgar pela ótica dos economistas, que avaliam o mundo pelo PIB, o continente africano está se desenvolvendo nessa primeira década do século XXI. Nunca como na última década a África cresceu de forma relativamente homogênea e com taxas convergentes em 7, 8, 15 países. A mesma coisa acontece com a América Latina. Vejam bem, os países estão crescendo, mas não estamos discutindo a qualidade desse crescimento. O que não cabe é o conceito de crise”.

Os Estados Unidos

Apesar de não o classificar dentro dessa abordagem, o palestrante vê o sistema mundial em momentos de alta condensação com grande potencial explosivo, que pode ser associado ao conceito de bifurcação da física termodinâmica. Segundo ele, trata-se de momentos de alta tensão, de pressão e dispersão, sobre os países, mas que, por outro lado, podem significar ações de grande criatividade e liberdade, ou seja, quando o sistema mundial pode mudar as rotas. “Os EUA enfrentaram várias crises ao longo da sua história e saíram mais que fortalecidos de cada uma delas”.

Ao mencionar o poder americano de se reerguer, citou três momentos cruciais de sua história no século XX: a Grande Depressão, que persistiu ao longo da década de 1930; a divisão da sociedade americana durante a Segunda Guerra Mundial; e a década de 1970, marcada pela derrota no Vietnã e os sucessivos revezes políticos e diplomáticos. “Quando os países não contemplados no acordo da Primeira Guerra (Itália, Japão e Alemanha) começaram a ‘escalar’ na década de 1930 e invadiram alguns territórios, os EUA se retraíram e de 1941 a 1946, período em que aceitaram entrar na guerra, da qual saíram vitoriosos, promoveram sua entrada na Europa e Ásia. A partir daí, a dívida do mundo inteiro estava nas mãos deles. Com isso, tiveram  condição para montar uma ordem para o mundo, com a criação do Banco Mundial, das Nações Unidas, do Conselho de Segurança, ou seja, instituições para ‘gerir’ o mundo.”

Porém, foi o duro golpe sofrido pelos americanos com a perda da Guerra do Vietnã que possibilitou a maior reviravolta: “Outro momento de bifurcação foi a crise de 1970, quando os próprios autores americanos chegaram a decretar o fim da sua hegemonia; período de sucessivas humilhações na política externa americana, mas também momento de oportunidades, em que foram feitas mudanças em sua política econômica internacional. A nova estratégia levou à superação da crise e a uma reviravolta dentro do sistema mundial. Porém, sua definição se estendeu por uma década, pelo menos, de divisão e de lutas internas em torno da Guerra do Vietnã, da crise do Dólar, do Petróleo, do Oriente Médio etc. Não há um só aspecto em que os americanos tenham sido desafiados para o qual não deram uma resposta. Perderam no Vietnã em 1970; no entanto, deram um show militar e tecnológico no Golfo”.

Em relação às tendências futuras, Fiori afirmou que o mundo pode vir a sofrer significativa mudança se houver uma grande aproximação entre Alemanha e Rússia. “Todos falam das vitórias dos EUA na década de 1990, mas, talvez, o grande vencedor da década tenha sido a Alemanha. A união desses dois países muda a configuração geopolítica do mundo. Uma importante questão é se nos próximos vinte anos a Alemanha seguirá apostando nas alianças atuais ou vai se aproximar da Rússia”.

Foto aula: Peter Ilicciev

 

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