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Pesquisadores apontam riscos da mineração de urânio para a saúde
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Na entrevista concedida ao Informe ENSP por Marcelo Firpo, pesquisador do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador (Cesteh/ENSP), e Renan Finamore, doutorando da ENSP e pesquisador do projeto Environmental Justice Organisations, Liabilities and Trade (EJOLT), eles explicaram como acontece a contaminação por urânio e os riscos da mineração do urânio para os trabalhadores e a população que reside no entorno das mineradoras, inclusive dos casos suspeitos de câncer. Outros assuntos tratados na entrevista foram o movimento de justiça ambiental, a oficina Justiça Ambiental, Exploração de Urânio e Monitoramento Comunitário de Radioatividade e a participação na Rio+20.
Confira, a seguir, a entrevista:
Informe ENSP: Onde é feita a mineração de urânio?
Marcelo Firpo: Atualmente, no Brasil, só em Caetité, na Bahia. No futuro, existe a possibilidade de explorar urânio associado a fosfato em Santa Quitéria, no Ceará. Em Poço de Caldas, Minas Gerais, a mineração de urânio já cessou, e a mina encontra-se em processo de descomissionamento.
Informe ENSP: Por que a mineração de urânio ganhou importância?
Renan Finamore: O Programa Nuclear Brasileiro ganhou força nos últimos anos. Além de Angra 3, no Rio de Janeiro, há projetos de construção de mais quatro usinas, mas o governo federal divulgou a suspensão desses planos, que serão tratados após 2020.
Marcelo Firpo: Em função do acidente nuclear em Fukushima, no Japão, vários países estão revendo seus planos de utilização de energia nuclear para fins de geração de eletricidade.
Informe ENSP: Quantas toneladas de urânio são extraídas por ano?
Marcelo Firpo: O principal uso deste material radioativo continua sendo a geração de eletricidade a partir de usinas nucleares, que consome boa parte da demanda global de urânio de cerca de 70 mil toneladas anuais, ou seja, a discussão do urânio, além da questão bélica e militar (armas nucleares, submarino nuclear etc.), necessariamente levanta o debate sobre a política energética no planeta e, em particular, no Brasil.
Renan Finamore: No caso brasileiro, a mina de Caetité possui capacidade de produção anual de 400 toneladas de concentrado de urânio.
Informe ENSP: Quais os riscos da mineração de urânio para os trabalhadores e a população que reside no entorno das mineradoras?
Renan Finamore: A exposição em níveis elevados de radioatividade e condições inadequadas de trabalho oferece riscos à saúde dos trabalhadores na mina e à população que habita o entorno das minas.
Marcelo Firpo: Há falta de informações adequadas a respeito dos riscos, o que foi denunciado pelo sindicato dos trabalhadores. O problema é agravado no caso dos trabalhadores terceirizados, uma vez que não são funcionários do quadro das Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) – detentoras do monopólio da exploração de urânio no país –, pois, neste caso, existe maior precarização de trabalho. Trabalhadores denunciam que recebem menos treinamento, apesar de realizarem trabalhos semelhantes, a rotatividade de pessoal é alta, e, na prática, essa diferenciação implica em redução de direitos e maior exposição aos riscos.
Informe ENSP: Que tipo de informações são omitidas?
Renan Finamore: Os trabalhadores relatam não ter acesso aos resultados dos diversos exames ocupacionais que realizam periodicamente. A INB, no entanto, alega que eles recebem tais resultados. Além do mais, boa parcela da população local denuncia que a INB não torna público os resultados dos monitoramentos periódicos que faz sobre a qualidade das águas subterrâneas locais para verificar a presença de radionuclídeos. Tais fatos contrariam a Lei 12.527/2011 de Acesso à Informação, já que as Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica (Portaria CNEN-NN-3.01) definem diversos procedimentos que envolvem a saúde dos trabalhadores, além da população em geral exposta.
Marcelo Firpo: Os trabalhadores são avaliados constantemente em relação a suas condições de saúde, e é medida a quantidade de radiação recebida por meio do dosímetro que portam no corpo. Em julho de 2010, foi realizada a Missão da Plataforma Dhesca Brasil em Caetité, com a presença da relatoria do Direito Humano ao Meio Ambiente, e foram feitas visitas às comunidades residentes no entorno da mina, quando foram denunciadas a falta de informações passadas à população e os possíveis problemas que se referem aos vazamentos provenientes da mina, que podem ter contaminado as pessoas. Há um temor também em relação ao possível aumento de casos de câncer.
Informe ENSP: Há estudos ou pesquisas que comprovam aumento de casos de câncer na região?
Marcelo Firpo: Estudos da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia indicam maior prevalência de alguns tipos de câncer na região. Há polêmicas sobre isso, pois a empresa e alguns especialistas ligados a ela dizem que já existe a radioatividade natural mais elevada que o normal em Caetité, mas é preciso considerar que um acréscimo decorrente de alguma exposição adicional somente ocorreria após 10, 15 anos ou mais. Contudo, isso poderia mudar caso vazamentos acidentais colocassem a população sob risco mais elevado de exposição à radiação. Há, em nossos contatos com entidades locais, a sensação transmitida pela população e por organizações de justiça ambiental de que o número de casos de câncer tem crescido após a mineração de urânio. A mineração começou em 2000, e houve acidentes após a mineração que poderiam, em tese, vir a elevar os níveis de exposição acima do limite aceitável.
Informe ENSP: Como acontece a contaminação por urânio?
Renan Finamore: Ao manipular o yellowcake de maneira inadequada, ou ao ingerir água ou alimentos com teor de radioatividade acima do tolerável, por exemplo. Esse material, o yellowcake, também conhecido como concentrado de urânio, é o produto final da exploração na mina. De Caetité ele é enviado ao exterior a fim de realizar o enriquecimento de urânio, etapa fundamental para possibilitar sua utilização como combustível das usinas nucleares.
Marcelo Firpo: Além dos problemas para os trabalhadores e para a população do entorno da mina, os riscos podem ocorrer principalmente de duas formas. A primeira é a liberação acidental de material contaminado radioativo para o meio ambiente (atmosfera, solos e corpos hídricos), que pode ser absorvido de várias maneiras, respirando, ingerindo água ou mesmo alimentos contaminados produzidos na área afetada.
Renan Finamore: A região mais próxima onde se situa a mina de Caetité é composta basicamente de comunidades de pequenos agricultores que, após o início da exploração de urânio, passaram a ser estigmatizados e não conseguem vender e comercializar seus produtos, a não ser entre si. Houve inclusive um caso suspeito de contaminação de um poço artesiano na região próxima da mina, o qual é usado para consumo humano, dada a ausência de sistema de abastecimento público de água para estas comunidades.
Marcelo Firpo: Uma segunda forma de risco está relacionada ao transporte de material radioativo. Também aconteceu um evento recente de mobilização comunitária que marcou a cidade e os movimentos por justiça ambiental na região. Em 15 de maio de 2011, descobriu-se, por meio de informações não oficiais, que estava chegando carga radioativa vinda de Iperó, em São Paulo, para ser processada em Caetité, no âmbito da INB. Houve manifestação popular histórica, com cerca de 6 mil pessoas nas ruas para impedir que os caminhões descarregassem.
Renan Finamore: A suspeita era que o material fosse rejeito nuclear, fato negado pela INB, mas ainda não esclarecido devidamente.
Marcelo Firpo: A Prefeitura local, representantes da sociedade civil local e autoridades criaram uma comissão para lidar com o problema, mas representantes da comunidade denunciam que o acordo feito acabou em boa parte não sendo implementado. De outro lado, membros do sindicato dos trabalhadores dizem que a chegada dos primeiros caminhões que conseguiram levar a carga radioativa implicou procedimentos operacionais que nunca foram realizados anteriormente, com riscos importantes para os quais os trabalhadores não estavam preparados.
Renan Finamore: Esse evento serviu para despertar a consciência crítica dos trabalhadores. Outro sério temor é que, como a mina é aberta, ao detonar a rocha, é liberada poeira que contém material radioativo. Dentre as substâncias que mais preocupam está o gás radônio, que pode ser absorvido pela respiração e futuramente causar câncer de pulmão.
Informe ENSP: Quais as pesquisas que a ENSP desenvolve sobre esses impactos?
Marcelo Firpo: Começamos apenas recentemente a estudar os problemas da mineração do urânio, em função de se tratar de um dos casos do Mapa da Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil, um projeto desenvolvido em conjunto pela Fiocruz e a Fase, voltado para cooperação técnico-científica em apoio aos movimentos por justiça ambiental. As denúncias da população e dos trabalhadores são acompanhadas por várias entidades, como a Plaforma Dhesca, a Associação Movimento Paulo Jackson, a Comissão Pastoral da Terra da Bahia, o Ministério Público, dentre outras, e esse conflito é debatido com frequência no âmbito da Rede Brasileira de Justiça Ambiental. A ideia de nosso trabalho é contribuir com essas entidades para reverter os impactos negativos já existentes e evitar o aparecimento de novos problemas com a mineração de urânio na região. Há também uma solicitação, feita em dezembro de 2010 por parte de algumas organizações, à Presidência da Fiocruz para que a instituição se pronuncie sobre o uso que a INB fez de um relatório de pesquisa produzido por um grupo da própria Fiocruz. A empresa, em resposta a uma condicionante do Ibama, contratou uma pesquisa à Fiotec e, em seu Boletim Informativo, afirma que a referida pesquisa teria comprovado cientificamente que a mineração de urânio não teria aumentado o número de casos de câncer na região. Há um sentimento de desconforto por parte de representantes da comunidade com este fato e o silêncio institucional, pois, até o momento, não houve posicionamento público da Presidência da Fiocruz ou dos pesquisadores envolvidos no relatório sobre essa polêmica, e seria importante esclarecer melhor. De nossa parte, podemos dizer que, até o momento, não é possível afirmar que a mineração não produz problemas à saúde da população.
Informe ENSP: O que é o movimento de justiça ambiental?
Marcelo Firpo: O movimento pela justiça ambiental vem se desenvolvendo nas últimas décadas a partir da luta contra dinâmicas discriminatórias que colocam sobre o ombro de determinados grupos populacionais os malefícios do capitalismo global. O projeto de pesquisa internacional EJOLT, coordenado pelo pesquisador da Universidade Autônoma de Barcelona, Joan Martinez-Alier, atua analisando e enfrentando conflitos ambientais ou casos de injustiça ambiental. O referencial teórico é o da ecologia política, que analisa criticamente os efeitos de um comércio internacional injusto e insustentável em tempos de globalização econômica. Tal visão coloca-se como contraposição às outras correntes do ambientalismo internacional, baseadas em uma visão ecológica romântica de uma natureza sem pessoas, ou na visão da ecoeficiência, que busca unir ciência tecnocrática e mercado para dar respostas à crise ambiental sem mudar as bases do atual modelo de desenvolvimento, produção e consumo.
Informe ENSP: Será realizada uma oficina sobre o tema? Quando acontecerá?
Marcelo Firpo: Sim. A oficina Justiça Ambiental, Exploração de Urânio e Monitoramento Comunitário de Radioatividade será realizada nos dias 8 e 9 de junho, em Caetité, na Bahia. Estarão também presentes ativistas africanos, sul-americanos e europeus para compartilhar experiências sobre o problema da mineração de urânio. Na oportunidade, também acontecerá um mini curso comunitário sobre radioatividade, ministrado por um engenheiro nuclear francês da organização francesa CRIIRAD, para representantes de movimentos sociais da região. O CRIIRAD trabalha com justiça ambiental e é especializado em gerar informações independentes sobre energia nuclear e prestar assessoria a populações afetadas pelo risco nuclear. Por exemplo, após o acidente do Japão, ele produziu um vídeo para auxiliar as populações afetadas pelo acidente de Fukushima no monitoramento dos níveis de radioatividade. O trabalho deles possibilita uma contra expertise para fazer a análise crítica, com compromisso de defender a saúde das comunidades.
Informe ENSP: Qual é a sua expectativa pós oficina?
Marcelo Firpo: Discutir uma parceria ou cooperação nacional e internacional para apoiar o movimento de justiça ambiental em torno desse problema de Caetité. Nosso projeto de pesquisa de base comunitária objetiva gerar informações sobre riscos, saúde e mineração de urânio. Nosso objetivo maior é tornar mais transparente e democrático o debate público a respeito dos riscos da mineração.
Informe ENSP: Será elaborado algum documento a partir da oficina?
Marcelo Firpo: Vamos produzir futuramente um documento de pesquisa que vai aprofundar as questões debatidas na oficina, apontando problemas e propostas de solução, tendo como referência central a defesa da saúde da população, em articulação com os direitos humanos fundamentais, inclusive o direito à informação e à participação sobre a gestão do território.
Informe ENSP: Outras instituições irão participar da oficina?
Marcelo Firpo: Estamos trabalhando junto com a Universidade Estadual da Bahia, com o grupo de pesquisa Tramas, da Universidade Federal do Ceará, e outras instituições que porventura venham a se integrar. Além disso, entidades internacionais de justiça ambiental estão conosco nessa empreitada, inclusive o CRIIRAD.
Informe ENSP: Vão participar da Rio+20?
Marcelo Firpo: Nos dias 12 e 13 de junho, faremos uma oficina para convidados do EJOLT, e, no dia 14 de junho, haverá um evento público sobre saúde e justiça ambiental, que acontecerá no auditório térreo da ENSP. Posteriormente, vários participantes dessa oficina se juntarão aos inúmeros eventos que irão ocorrer na Cúpula dos Povos entre 15 a 22 de junho, inclusive as chamadas Toxic Tours às Baías de Guanabara e Sepetiba, e a passeata que marcará a Marcha dos Povos dia 17 no Centro do Rio. Também acontecerá uma Conferência Internacional de Economia Ecológica, na qual vários membros do EJOLT participarão discutindo questões de sustentabilidade e justiça ambiental.
Por Luciene Paes.
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