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Integralidade em Saúde: ENSP debate desafios para o cuidado em Saúde do Trabalhador

O Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh/ENSP/Fiocruz) promoveu aula aberta do Curso de Especialização em Saúde do Trabalhador 2019. Na ocasião, foi debatida a Integralidade em saúde e os desafios para o cuidado em Saude do Trabalhador. A atividade contou com a participação da coordenadora geral de Saúde do Trabalhador da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Karla Baêta, e da integrante do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Fátima Sueli Neto Ribeiro.

A mediadora da mesa, a pesquisadora do Cesteh/ENSP, Fátima Rangel, ressaltou que a atividade buscou debater e construir o conceito de integralidade no contexto atual de redução de direitos na saúde do trabalhador. Segundo ela, não é necessário estar no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) para realizar esse trabalho. “A ideia é discutir a Atenção Integral à Saúde do Trabalhador em sua totalidade”, destacou ela.

Em seguida, a coordenadora geral de Saúde do Trabalhador da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, Karla Baêta, iniciou sua apresentação citando as transformações no mundo do trabalho, entre elas: mudanças políticas, econômicas e sociais; dinâmicas de exploração inerentes ao capitalismo; coexistência de processos de trabalho arcaícos e modernos; inovações tecnológicas; excedente de mão de obra (baixa qualificação, demissões e rotatividade); precarização das relações de trabalho; diminuição da taxa de ocupação; e migração das pessoas do setor formal para o informal.

Para ela, a integralidade é um tema que traz diversos questionamentos mesmo com todo o sucesso das experiências e práticas. Ela mencionou, ainda, o papel da vigilância dentro da integralidade, e questionou como trazer para a prática a integralidade em Saúde do Trabalhador.  “Atualmente, temos mais de 1.500 atividades econômicas. Esse cenário, nacional e internacional, sofre com os movimentos de precarização do trabalho, que têm a tendência de continuar. Dessa forma, como melhorar a saúde do trabalhador em curto tempo?”, indagou.

Karla pontuou alguns dados sobre emprego no Brasil. Trabalhadores empregados: 62,3 milhões; empregados no setor privado: 44,5 milhões; com carteira de trabalho assinada: 33,2 milhões; sem carteira de trabalho assinada: 11,3 milhões; empregados no setor público: 11,5 milhões; empregados domésticos: 6,2 milhões; trabalhadores por conta própria: 24,3 milhões. “No Brasil, temos 5.437 municípios, poucos postos de trabalho e muita gente querendo trabalhar. Estamos em um momento difícil para fazer e continuar fazendo bem Saúde do Trabalhador”, descreveu ela.

Segundo a coordenadora do Ministério da Saúde, atualmente, existem 63 milhões de empregos formais no Brasil e 8 milhões de microempreendedores individuais (MEI). “O número de MEI é algo que merece destaque, pois sinaliza uma forma de precarização, é um grupo mais vulnerável, sem dúvida. Diante desse contexto, como promover a saúde desse trabalhador que vai até o seu limite?”. Os eixos da Vigilância em Saúde do Trabalhador também foram citados por Karla Baêta. Sendo eles: Vigilância de trabalhadores expostos, Vigilância de doenças e agravos e Atenção a grupos de trabalhadores de maior vulnerabilidade. “O Sistema Único de Saúde (SUS) precisa enxergar o trabalho como variável de adoecimento, pois, quando fazemos esse movimento, mudamos a visão sobre determinado território”, advertiu Karla.

O perfil dos trabalhadores escravizados também foi pontuado por Karla. De acordo com ela, 36.524 trabalhadores foram resgatados entre 2003 a 2018, sendo 94% deles homens analfabetos, com idade entre 18 e 44 anos. “A maioria desses trabalhadores resgatados não consegue ser incluído socialmente; voltam ao trabalho escravo, adoecem e morrem”, lamentou. 
 
Saúde do Trabalhador no Sistema Único de Saúde

Finalizando sua exposição, Karla Baêta falou sobre a Saude do Trabalhador no SUS e destacou ser necessário fazer a Rede de Atenção à Saúde (RAS) compreender que o trabalho pode ser variável de adoecimento muito mais do que de saúde. Ela explicou, ainda, que a Saude do Trabalhador no SUS pode ser considerada a promoção e a proteção do trabalhador traduzidas por ações de vigilância nos ambientes, processos e organização do trabalho. A Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT) também foi citada pela coordenadora do Ministério.

Os objetivos da PNSTT são o fortalecimento da Vigilância em Saúde do Trabalhador e integração com os demais componentes da Vigilância em Saúde; a promoção da saúde e de ambientes e processos de trabalho saudáveis; a integralidade na atenção à saúde do trabalhador; a transversalidade da saúde do trabalhador na RAS; a incorporação da categoria trabalho como determinante do processo saúde-doença dos indivíduos e da coletividade; além da qualidade da atenção à saúde do trabalhador usuário do SUS.

Sobre os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerests), ela descreveu os números. São 4.237 municípios abrangidos e 213 Cerests habilitados; desses, 86 Cerests são regionais e 27 estaduais. Porém, há unidades abertas que não funcionam. De acordo com Karla, em relação ao Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), houve incremento de 328,3% nas notificações de Doenças Relacionadas ao Trabalho entre 2007 e 2018. “É preciso continuar o movimento de melhoria nos registros das notificações. Não é apenas o Cerest que deve notificar; toda unidade de saúde tem a obrigação de fazer isso”, enfatizou.

Sobre os Acidentes de Trabalho Grave (ATG), Karla Baêta lamentou que, em 2019, foi registrado número elevado de notificações de óbitos: 38.888 notificações e 1.042 óbitos, sendo 75 notificações em crianças de 1 a 14 anos. Por fim, a coordenadora falou sobre como efetivar a integralidade do cuidado no SUS, elencando pontos como: implementar a Política de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora; melhorar a identificação do trabalho como variável de adoecimento; e qualificar os registros (notificação) para realização de ações de vigilância, prevenção e promoção, entre outros pontos.

Como desafios, se põem o novo cenário mundial do trabalho, a qualificação da participação do controle social, a sustentabilidade das ações de vigilância, proteção e promoção da saúde do trabalhador, além da incorporação da Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (Renast) na RAS, por meio do modelo de distribuição e funcionamento dos Cerests. Como perspectivas, Karla citou como superar a fragmentação das ações e serviços em saúde do trabalhador; a integração dos processos de trabalho, planejamento, programação, monitoramento, avaliação e educação permanente; a inclusão, na prática das equipes, da noção de riscos (riscos relacionados ao trabalho e no modo de vida dos diversos grupos populacionais); e incorporação do olhar que configura as ações de vigilância no fazer das ações de atenção à saúde, no contexto da integralidade.

De que integralidade em saúde estamos falando?

A professora do Departamento de Segurança e Saúde no Trabalho da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Fátima Sueli Neto Ribeiro, iniciou sua apresentação contextualizando seu lugar de fala e suas área de atuação. Em seguida, fez o questionamento do que é integralidade para alguns dos participantes do evento, em sua maioria, alunos do Curso de Especialização em Saúde do Trabalhador 2019. Alguns alunos participaram da dinâmica e responderam o que entendiam como integralidade. Após as falas, a professora destacou que, de modo geral, continuamos enxergando o modelo biomédico de assistência. Para ela, é preciso colocar o trabalho como determinante; caso isso não aconteça, não é integralidade.

Fátima Sueli Neto pontuou os sentidos da integralidade como traço da boa medicina, como modo de organizar as práticas e como respostas governamentais a problemas específicos de saúde. Como traço da boa medicina, ela é a resposta ao sofrimento do paciente e cuidado para que essa resposta não seja a redução ao aparelho ou sistema biológico, pois tal redução cria silenciamentos. Como modo de organizar as práticas, ela pode ser entendida na conformidade de horizontalização dos programas tradicionalmente verticais, superando a fragmentação das atividades no interior das unidades de saúde. E como respostas governamentais a problemas específicos de saúde, são políticas especialmente desenhadas para dar respostas a um determinado problema de saúde ou aos problemas de saúde que afligem certo grupo populacional.

A professora citou, ainda, que a melhoria da atenção à saúde implica a necessidade de revisão das ideias e concepções sobre saúde, em particular dos modelos tecno-assistenciais. “Isso implica repensar os aspectos mais importantes do processo de trabalho, da gestão, do planejamento e, sobretudo, da construção de novos saberes e práticas em saúde, resultando em transformações no cotidiano dos profissionais e dos gestores”, explicou ela.

Para Fátima, a integralidade deve ser vista como produção de cidadania do cuidado e, segundo ela, é preciso um modo de atuar democrático, do saber fazer integrado, em um cuidar alicerçado em uma relação de compromisso ético-político de sinceridade, responsabilidade e confiança entre sujeitos reais, concretos e portadores de projetos de felicidade. “Entende-se o sujeito como ser real, que produz sua história. Respeita-se o saber das pessoas, saberes históricos que foram silenciados e desqualificados, que representam uma atitude de respeito que possa expressar compromisso ético nas relações gestores/profissionais/usuários”, destacou.

Por fim, a professora afirmou que é fundamental a horizontalização dos programas e a necessidade de articulação entre demanda programada e demanda espontânea, além da necessidade de revisão das ideias e concepções sobre saúde, em particular dos modelos tecno-assistenciais. “É o momento de decidir e responder qual é a sua integralidade”, concluiu Fátima Sueli.