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Lembrar as trabalhadoras e os trabalhadores mortos pela covid-19 – lutar pelos vivos!

Há pelo menos 35 anos, o dia 28 de abril significa, no mundo inteiro, a data escolhida para lembrar dos trabalhadores e trabalhadoras vitimados por acidentes do trabalho e por doenças profissionais e outras doenças relacionadas ao trabalho, e para lutar por melhores condições de trabalho, para que tais perdas humanas não voltem, jamais, a acontecer. E que jamais voltem a ser toleradas e “naturalizadas” pela sociedade, pelos empregadores e pelos governos, como se isto fosse normal; fosse ‘inerente’ ao trabalho; fosse o ‘preço do progresso’, e outras falácias que constroem e mantêm uma ideologia perversa. Isto não poderia ser jamais tolerado! E isto deve ser dito e repetido no 28 de abril de cada ano, e em todos os outros dias do ano, todos os anos!

Proposto pelos movimentos sociais dos EUA, o “Memorial Day” rapidamente alcançou outros países, e, também, chegou no Brasil. Aqui, o “Dia Internacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho”, com o dramático subtítulo “Lembrar os mortos – Lutar pelos vivos”, tornou-se, de 2005 em diante, o “Dia Nacional em Memória das Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho”, graças à Lei no. 11.121/2005, de autoria do Deputado Roberto Gouveia (PT/SP), e sancionada no Governo Lula.

Mas sobre esta data emblemática cabe lembrar, também, que a partir de 2005, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) a denomina “Dia Mundial da Saúde e Segurança no Trabalho”, com o propósito de iniciar o ciclo anual de atividades promocionais e preventivas. Para tanto, a OIT costuma eleger um “tema do ano”, havendo sido proposto para 2020 o tema “Detenhamos a pandemia: a segurança e saúde no trabalho pode salvar vidas”.

Ao nos prepararmos para o 28 de abril de 2020, o colegiado diretivo da ABRASTT (Associação Brasileira de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora) houve por bem resgatar o título original da data proposta pelos movimentos de trabalhadores, e contextualizá-lo ao grave momento da pandemia da doença infecciosa denominada COVID-19, posto que ela vem atingindo milhões de pessoas no mundo inteiro; já ceifou mais de 210 mil vidas; e, com muita crueldade, incide, com mais elevada frequência, em trabalhadoras e trabalhadores que estão na ‘linha de frente’ do salvamento de vidas, em Serviços de Saúde.

Além destes grupos profissionais, a COVID-19 vem incidindo, de forma assustadora, em trabalhadoras e trabalhadores de muitas outras categorias profissionais, isto é, os que não podem se isolar em casa, pois exercerem atividades agora consideradas “essenciais”. De uma forma ou de outra, elas e eles trabalham muito – e cada vez mais - para que nós possamos viver! E para que nós não venhamos a morrer! E se morrermos, para que a chegada do nosso corpo no destino final, aqui na Terra, seja expedita, respeitosa e segura... Esta é a realidade! De repente, muitas atividades que eram socialmente invisíveis ou sem status e prestígio tonaram-se essenciais, tanto para viver, quanto para morrer!

Com estas reflexões – quiçá dramáticas - apresentamos o tema adotado pela ABRASTT para o 28 de abril de 2020: “DIA NACIONAL EM MEMÓRIA DAS VÍTIMAS DE ACIDENTES E DOENÇAS DO TRABALHO: LEMBRAR AS TRABALHADORAS E OS TRABALHADORES MORTOS PELA COVID-19 – LUTAR PELOS VIVOS!”

Por conseguinte, esta MENSAGEM da ABRASTT (e dos parceiros e parceiras institucionais que quiserem referendá-la) pretende dar visibilidade a um elenco de questões que aqui serão pontuadas, como um insumo e estímulo às reflexões do “28 de abril”, mas, também depois dele, todos os dias... Mais do que reflexões: uma verdadeira agenda de pleitos e lutas!

  1. A desigual ocorrência da COVID-19 na sociedade brasileira como um todo, com mais elevada incidência e mais elevada letalidade nas áreas socialmente deprimidas e espacialmente periféricas, assim como em mulheres e em afrodescendentes, demonstra a importância da determinação social nesta pandemia. Saliente-se que a teoria do distanciamento social tem baixa ou nenhuma chance de ser adotada pelas classes sociais que estão na base da injusta pirâmide social brasileira. É ela, também, a mais afetada pelo empobrecimento e crescente miserabilidade impostos pelas políticas econômicas e sociais abraçadas pelos governantes, nos últimos anos.

  2. No que se refere à incidência e letalidade da “COVID-19 relacionada ao trabalho”, existem inúmeras evidências de que a distribuição ocupacional é muito desigual, com destaque para as pessoas que trabalham em Serviços de Saúde (cadeia completa de atividades correlatas) e para aquelas que exercem outras atividades consideradas “essenciais”, ou que são obrigadas a se expor, seja pelo trabalho, seja pelo transporte público, ou em outras aglomerações exigidas dos cidadãos e cidadãs que vivem de seu trabalho. Além disso, como é bem conhecido, as atividades do cuidado são predominantemente exercidas pelo gênero feminino (cerca de 85% dos trabalhadores e trabalhadoras de Enfermagem!), e nas atividades mais penosas e menos valorizadas (nos serviços de saúde e fora delas) juntam-se as questões de gênero, raça e classe social. Por exemplo: as trabalhadoras dos Serviços de Saúde (cadeia completa e serviços correlatos), em sua maioria, são as mesmas que residem muito distante; que não podem ficar em casa; que gastam muitas horas em transporte público; que exercem dupla ou tripla jornada doméstica; e até as mesmas que, em função do baixo reconhecimento social e da baixa remuneração, precisam ter dois ou mais vínculos de trabalho. Portanto, a determinação social da COVID-19 se desvela, se expressa mais descaradamente, na questão “ocupacional”, diretamente e como uma proxy da situação de classe social.

  3. Somem-se a estas considerações, as más condições de trabalho, no sentido físico, desde a existência e disponibilidade de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), até a organização do processo de trabalho em saúde, entre outras dimensões administrativas, organizacionais e ergonômicas, as quais, quando precárias e irregulares, contribuem para a natureza “ocupacional” das exposições ao vírus SARS-CoV-2 (ex-“novo coronavírus”). A importância da “exposição ocupacional”, determinada pela natureza do trabalho em Saúde, não pode ser desqualificada pelo falso argumento da “exposição comunitária”, como bem se posicionou, recentemente, o Grupo de Trabalho criado pela FRENTE AMPLA EM DEFESA DA SAÚDE DOS TRABALHADORES, em sua NOTA TÉCNICA intitulada: “Orientação sobre direitos de trabalhadoras e trabalhadores dos Serviços de Saúde, enquanto grupo vulnerável prioritário na pandemia da COVID-19”.

  4. Este mesmo raciocínio se aplica a outras categorias profissionais ‘essenciais’, como, por exemplo, trabalhadoras e trabalhadores de limpeza pública; em transporte público; em distribuição e transporte de mercadorias, encomendas, alimentos, incluindo ciclistas e motociclistas; trabalhadoras e trabalhadores em drogarias e farmácias e em supermercados, entre outros.

  5. Torna-se necessário, portanto, primeiro investir na prevenção focada em trabalhadoras e trabalhadores que estão nas linhas de frente, na saúde e em outras atividades consideradas essenciais. Elas e eles devem receber atenção prioritária por todos os empregadores, sejam do setor Público ou do Privado. A já referida NOTA TÉCNICA emitida pela FRENTE AMPLA dedica importante parte do texto às medidas de prevenção, as quais devem ser cumpridas. Devem se tornar bandeiras de luta! Trabalhadoras e trabalhadores não podem continuar adoecendo e morrendo! Esta é a mensagem principal deste 28 de abril de 2020!

  6. Não menos importante: os direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores e trabalhadoras – em todas as categorias profissionais – não podem ser furtados, sonegados ou manipulados sob o pretexto de ‘pandemia’ ou de ‘emergência sanitária’. Pelo contrário: trabalhadoras e trabalhadores com evidente exposição ocupacional, intrínseca à natureza de suas atividades, e contaminados pelo vírus SARS-CoV-2, assim como os clinicamente sintomáticos, ou com quadros sintomáticos característicos, têm o direito (além da notificação obrigatória ao SINAN) à abertura de Comunicação de Acidente do Trabalho (CAT), ou notificação equivalente em sistemas previdenciários do Serviço Público. Direito dos trabalhadores e trabalhadoras é dever, obrigação, dos empregadores! A COVID-19 relacionada ao trabalho é “DOENÇA DO TRABALHO”, segundo a Lei 8.213/91, e como tal, equivale a “acidente do trabalho”, fazendo jus aos benefícios (direitos) ‘acidentários’ previstos na mesma lei, incluindo a estabilidade por pelo menos um (1) ano, após afastamentos superiores a 15 dias. Esta é a segunda mensagem ´principal deste 28 de abril de 2020!

  7. Apesar da atualidade e gravidade do problema da COVID-19 em sua relação com o Trabalho, o “28 de abril de 2020” não pode deixar de ser uma denúncia sobre a grave situação da classe trabalhadora, no Brasil e no mundo. Sob o signo crescente da ideologia neoliberal, retiram-se direitos trabalhistas e previdenciários; achatam-se salários; estendem-se jornadas de trabalho; encurtam-se pausas; descaracterizam-se o repouso remunerado e as férias, e se não bastassem os males diariamente perpetrados, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e o Poder Judiciário vêm aproveitando a pandemia e seus desdobramentos, para retirar ainda mais direitos. As recentes medidas provisórias (MPs) do Governo Bolsonaro o fazem, sequencialmente, sem pudor nem rubor. Com efeito, o “28 de abril de 2020” deve ser, também, um dia de protestos da classe trabalhadora. A pandemia não pode ser motivo nem pretexto para agravar a situação dos trabalhadores e trabalhadoras, nem para ocultar dados e informações; tampouco para ignorar outros agravos à saúde que impactam e destroem trabalhadoras e trabalhadores!

  8. Por último, mas muito importante: o “28 de abril de 2020” é também o dia para defender o Sistema Público de Saúde (SUS), sem o qual, a pandemia estaria sendo ainda mais devastadora do que está sendo! É dia, também, para denunciar os ataques às instituições do Trabalho, como a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego, e as medidas que enfraquecem as instituições de pesquisa, como a Fundacentro e a Fiocruz, entre outras que produzem conhecimento na área de saúde dos trabalhadores e trabalhadoras.

Que a reverente e emocionada lembrança das trabalhadoras e trabalhadores que adoeceram e morreram pela COVID-19 relacionada ao trabalho e em decorrência de outros acidentes e doenças do trabalho que ainda persistem em mutilar e matar homens e mulheres que vivem de seu trabalho, se transforme no grande grito em defesa dos que lutam para viver, com saúde e dignidade! E dos que trabalham para que nós vivamos!

Viva o 28 de abril de 2020!